Como pesquisadora do Programa Bundeskanzler Stipendium, do governo alemão, tenho visitado e pesquisado a relação de países europeus com os seus rios. Depois de um mês na Holanda, também passei um mês na Dinamarca. As duas nações que são sinônimo de qualidade de vida. Por isso, é curioso como há diferenças na gestão pública delas e na concepção de participação popular.
A Holanda surpreendeu-me pela capacidade de cuidar dos mínimos detalhes quando o assunto é infraestrutura urbana. Até mesmo o meio-fio das calçadas é realizado de maneira irretocável. Na Dinamarca, as coisas são diferentes. Há até mesmo alguma desatenção nos meios-fios, calçadas, ruas, nas sinalizações e qualidade do material.
Passei minha impressão para alguns estudantes e professores em Copenhague. Qual minha surpresa quando fui questionada! “Na Holanda não é tão perfeito assim”, retrucaram, “falta mais participação popular”. Até pela questão geográfica, com boa parte de seu território abaixo do nível do mar, muito do que se faz na Holanda é pré-definido, sem espaço para discussão maior.
Uma obra pode demorar mais, pode não ser tão perfeitamente executada, mas na Dinamarca o projeto precisa ser o interesse de todos. Ou seja, mais importante do que a qualidade ou o custo do trabalho concluído é o seu caráter participativo.
É uma maneira diferente de enxergar a gestão pública e definir prioridades. O Orçamento Participativo, que já teve maior espaço nas administrações municipais do Brasil, caminha nesse sentido. Mas em regra, as comunidades brasileiras estão distantes do processo decisório em quase todas as obras realizadas pelo poder público. Há um certo desinteresse por um lado, bem como um combate ideológico por outro, já que muitos entendem os processos participativos de gestão como exclusividade dos governos de esquerda. Trata-se de uma visão equivocada.
Além disso, é necessário que a população passe por um processo de educação. No geral, as pessoas precisam ter maior entendimento e conhecimento do trabalho técnico e político que envolve a realização de obras, bem como de qual será o impacto de cada melhoria reivindicada no dia-a-dia de sua comunidade.
Dentro do momento político atual do país, fica claro como as decisões estão longe de qualquer participação popular. Os interesses particulares são mais eficientes para sensibilizar governos e políticos, a troco de vultosas contrapartidas, como financiamento de campanhas (por via oficial ou caixa 2) ou vantagens pessoais.
Pouca gente sabe, porém, que participação da sociedade na gestão pública é um direito assegurado pela Constituição Federal. Nossa Carta permite que os cidadãos não só participem da formulação das políticas públicas, como fiscalizem a aplicação dos recursos públicos.
Na Dinamarca, a participação na gestão pública permite que os cidadãos possam intervir na tomada da decisão administrativa. O poder público, assim, toma decisões que realmente atendem ao interesse público. Ao mesmo tempo, há controle de todos sobre as iniciativas do Estado. O gestor precisa prestar contas de sua atuação.
A tendência nas cidades consideradas modelos de qualidade de vida é abrir cada vez mais espaço para que o cidadão tenha poder de decisão. Já nas cidades em que os cidadãos tudo esperam do poder público, cria-se espaço para mais problemas e desagregamento.
O Brasil ainda se apega à velha discussão de tamanho do Estado, criando condições para institucionalizar a ineficiência, os processos burocráticos e a corrupção. Mas não vai adiantar diminuir o tamanho do Estado e aumentar o tamanho das empresas, caso o processo de fiscalização e de decisão permaneça tão desconectados dos cidadãos. É preciso dar o valor devido ao Controle Social na administração pública.