Uma cidade é um grande artefato cultural. Para falar bem a verdade, a cidade é o maior artefato cultural produzido pela humanidade. E, como tal, é fruto da criatividade e da cooperação.
O historiador Yuval Harari afirma que a capacidade de cooperar em grande escala e de forma flexível tornou os seres humanos os animais dominantes do planeta. Insetos sociais, como as abelhas e as formigas, cooperam em grande número, mas de uma forma bastante rígida. Os mamíferos sociais, como os chimpanzés e os lobos, cooperam de forma relativamente flexível, mas apenas em pequena escala. Abelhas não conseguem reinventar sua organização social a partir de uma nova oportunidade; chimpanzés não agem coletivamente com centenas de indivíduos desconhecidos. E o que faz nós humanos cooperarmos dessa forma é a imaginação: nós criamos e acreditamos em ficções. Quando inventamos e acreditamos nas histórias, somos capazes de agir de forma maleável em conjunto com milhões de desconhecidos. Um exemplo bastante didático é o dinheiro. Nós acreditamos que um pedaço de papel possui um determinado valor, com o qual é possível trocar por produtos e serviços ao longo do tempo. Uma empresa também não existe numa realidade objetiva: nós acreditamos nelas, assim como acreditamos em nações. E somos capazes de trabalhar nas empresas, ganhar dinheiro e seguir as leis de um país.
Os nossos valores, normas e condutas dependem das ficções em que acreditamos. Algumas vezes, as ficções nos levam a cooperar por guerras. Outras vezes, somos capazes de produzir grandes artefatos culturais, como as cidades.
Quando projetamos o futuro de uma cidade, estamos imaginando uma história. Se as pessoas acreditarem nessa história e se identificarem com ela, elas serão capazes de cooperar para que esse futuro aconteça. Mas… Quais histórias são contadas para as nossas cidades? Como pretendemos viver? Que sonhos nós perseguimos? Em quais ideais nós acreditamos? Quais são os valores que queremos ver refletidos nas cidades?
Uma cidade é um resultado da sua sociedade. Cada cultura desenvolveu sua forma de se organizar no território, em seu tempo. E a nossa, ainda está presa aos desafios da sociedade industrial, muitos dos quais não são mais atuais. Assim como na indústria, em que tudo é previsível, segmentado e funcional, as cidades ao se desenvolverem dentro do espírito desse tempo também foram separadas em funções: trabalhar, habitar, recrear e circular. Tudo com a escala da máquina. Por exemplo: quando caminhamos por vielas na escala do pedestre, vemos fachadas curtas e ricas em detalhes. E quando andamos em ruas com a escala da máquina, as fachadas são longas e monótonas, com grandes letreiros, pois foram pensadas para a velocidade dos automóveis. A massificação e o controle sobre a natureza também foram aspectos determinantes. Para exemplificar, os rios tiveram suas margens retificadas e concretadas ou foram até mesmo canalizados; pequenos comércios tradicionais de rua foram substituídos por grandes franquias dentro de shoppings, que poderiam estar em qualquer lugar.
Uma das consequências da sociedade massificada é a tendência das pessoas de se sentirem impotentes e quase condicionadas a repetirem padrões sem questionar. Isso levou a uma banalização da perda de valores humanos e urbanos. E assim, desvirtuamos a noção do que deveria ser uma cidade. Cidade significa “lugar de cidadãos”, mas o espaço da cidadania se perdeu. A capacidade crítica cedeu lugar para um roteiro padronizado em que a diferença não era aceita. De fato, por algum tempo, a família tinha um formato definido, a escolha da profissão era para a vida inteira, o casamento duradouro, os filhos, a casa, o carro, a aposentadoria… Se esse roteiro pudesse fazer sentido no século XX, ele definitivamente não é mais válido no século XXI. A lógica industrial falhou nas utopias de felicidade que nos prometeu e criou habitats sem vida e sem convívio social.
Na nossa sociedade contemporânea, a vida é dinâmica. Nosso ambiente, trabalho e relacionamentos estão mais fluidos, flexíveis e imprevisíveis do que nunca. A cidade, assim como a vida, não pode ser massificada e reduzida a aspectos utilitários. O urbanismo, por exemplo, é uma mistura de natureza, tecnologia, tradições e sentimentos. Nós precisamos vivenciar aquilo que chamamos de cultura e é no conjunto dos pequenos valores que reside a magia da vida e a mística das cidades. O contato com a natureza, o convívio social, o usufruto das artes e dos patrimônios materiais e imateriais são essenciais para as cidades e para as pessoas. Num momento em que a maior parte da população vive em áreas urbanas, podemos dizer que as cidades são o nosso habitat. Quando falamos sobre criatividade, diversidade, democracia e sustentabilidade, está implícito que queremos criar habitats mais humanos. E então: quais histórias vamos criar? E por quais histórias vamos cooperar?
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muito conteúdo de valor parabéns nota 10 gostei muito.