Passo um período como pesquisadora na Alemanha, com passagens também pela Dinamarca e Holanda. Minha pesquisa tem como objeto analisar a relação entre Rios e Cidades, com o estímulo para que os rios e seu entorno sejam preservados e que existam áreas para o lazer e o convívio das pessoas.
É nessa direção que a Alemanha caminha com propriedade, assim como a Holanda e a Dinamarca. As cidades são para as pessoas, criadas para o convívio democrático. A bicicleta é um dos principais meios de locomoção para alemães e sobretudo para holandeses e dinamarqueses. Em Copenhague, mais de 60% dos políticos vão de bicicleta todos os dias para o Parlamento.
No Brasil, esse debate já estava morno. Esfriou de vez com a crise política que se arrasta desde 2015. É claro que há um viés ideológico no modelo de cidade que cada um defende. Na Europa, contudo, ele tem uma importância muito menor frente ao que é entendido como o interesse coletivo – não apenas o que é bom ou ruim para uma comunidade, mas o que faz diferença de verdade no seu dia a dia, unindo a preservação ambiental com a qualidade de vida.
Se há algo positivo nos escândalos de corrupção denunciados nas investigações da Operação Lava Jato, é que alguns dos mecanismos que emperram o desenvolvimento da cidadania brasileira acabaram desnudados. Saber que senadores e deputados defendem obras que são de interesse específico de uma grande empreiteira, e que pouco farão diferença para o dia a dia de uma comunidade, é didático.
Fica claro que o que define como será investido o dinheiro que pagamos em impostos são os interesses particulares, e não o que beneficia a maior parte da população. Isso é grave, precisa ser contestado e combatido. Curiosamente, a obra de interesse às vezes nem é superfaturada, mas serve para que a empresa tenha movimentação financeira e mantenha sua mão-de-obra. De qualquer modo, não é uma empreiteira quem tem que definir o que é prioridade para uma comunidade, uma cidade ou um país.
A visão comum hoje, no Brasil, é de que esse novo modelo de cidadania, da cidade inclusiva e democrática, é pauta apenas da esquerda. Não é verdade. Mesmo um governo de escopo liberal, como o australiano, investe em infraestrutura apenas após respondida uma simples pergunta: qual é o interesse coletivo em usar dinheiro público para fazer ou não fazer essa obra? E colocam na ponta do lápis, em cada investimento, o cálculo de custos. Isso inclui os custos tradicionais adicionando os custos ambientais e sociais, como economia em saúde pela presença de um parque, ou aumento de gastos hospitalares com a construção de uma rodovia, por exemplo.
Na Alemanha, Dinamarca e Holanda, estados de bem-estar social, o interesse coletivo no uso do dinheiro público fica muito evidente. Assim, o simples desenho de uma rua é tratado com a devida importância. Não é secundário, porque a nossa vida cotidiana não é secundária. Por isso, mudar o país é muito mais do que ficar no discurso, trocar político “A” pelo político “B”. Como afirmava o sociólogo Betinho “Sem mudar a sociedade, não adianta mudar o governo”. Há 20 anos, as decisões na Dinamarca também eram de cima para baixo, e hoje quem toma as rédeas é a população. O Brasil vai evoluir quando a população tiver outro entendimento do que faz diferença no seu dia a dia e assumir que a democracia é a participação de todos e de cada um.
8 de agosto de 2017