Ribeira é como os portugueses se referem aos cursos de água que, no Brasil, conhecemos como ribeirões. E um desses mananciais, a Ribeira da Granja, na Cidade do Porto, tornou-se o marco do processo de renaturalização de rios em Portugal.
De 2009 a 2013, o engenheiro Pedro Teiga deu apoio, como consultor, para a renaturalização das linhas de água da enseada do Porto. Primeiro foi feita uma avaliação dessas linhas de água, em termos de cartografia. Era preciso saber seu tamanho, e quais seriam os prioritários para serem renaturalizados.
Alguns estavam muito “mal de saúde”, “verdadeiras cloacas”, nas palavras de Teiga. Mas outros tinham um grande potencial para aprendizagem: poderiam ensinar políticos e técnicos como seria valioso retirar os rios de galerias subterrâneas, devolvê-los à superfície, e como estes poderiam se tornar um corredor ecológico dentro da própria cidade.
Numa primeira fase, foi feito um piloto, tendo como cenário a Ribeira da Granja. Foi possível utilizar as técnicas de engenharia natural para a estabilização das margens, com a utilização da fibra de coco, de entrançados e de muros vivos, bem como do reforço da vegetação ciliar. Esse processo acabou por mobilizar também a população local, criando um envolvimento comunitário com o processo de renaturalização.
A equipe de Pedro Teiga bateu de porta em porta. Explicou o que seria feito em relação ao rio, e como o processo seria realizado. “As pessoas, que estavam de costas para o rio, passaram a olhar para ele”, explica o engenheiro. Muita gente não acreditava que a o processo pudesse acontecer. Aos poucos, a resistência foi vencida. E os jovens foram os primeiros a explorar o novo cenário natural para atividades de convívio e lazer.
A primeira fase resultou na retirada de tubulação de 300 metros do Ribeira da Granja. O processo envolveu maquinário pesado, com a destruição efetiva das estruturas de concreto. A reconfiguração do curso, com a recuperação da mata ciliar, também propiciou a criação de uma bacia de retenção contra as cheias. Havia casas que eram inundadas por cheias a cada dois anos em média e que hoje, com as mudanças, conseguem ficar até dez anos sem sofrer com as cheias.
Inundações são inevitáveis, até pela localização destas construções. Mas a frequência delas já é menor. E quando acontecem, formam-se mais lentamente. As águas recuperaram o espaço para se espraiar, e correm com menor força e velocidade.
Foram selecionadas as espécies de vegetação para serem utilizadas no processo de renaturalização. Uma equipe multidisciplinar cuidou da confecção, do design e do desenvolvimento e acompanhamento da obra. Esta é também uma fase muito importante, que pode durar até 10 anos – este é o período que Teiga entende como mais adequado para a avaliação do processo.
Como piloto, o processo iniciado na Ribeira da Granja tornou a prática de enterrar os rios e fazê-los correr por dentro de tubulações uma página virada. “Portugal não está mais a ‘entubar’ rios”, destaca Pedro Teiga.
O trabalho resultou em vários benefícios, não só na qualidade de vida, mas inclusive as conquistas comunitárias e sociais que se somam à simples restauração das condições naturais do ribeirão. Os gestores públicos, perceberam que a renaturalização não era apenas ousadia de alemães, holandeses ou escandinavos. Ela pode, sim, ocorrer não apenas em uma região carente do Porto, mas em todo o país. Quem sabe, uma iniciativa como a do Ribeirão da Granja possa vir a acontecer no Brasil, desencadeando o mesmo processo junto aos nossos gestores e nossa comunidade.