Nascida e criada em Blumenau, a arquiteta Carolina Viviane Nunes, 35 anos, cresceu numa cidade castigada pelas enchentes e enxurradas. Aprendeu que o Rio Itajaí-Açu e seus afluentes tem seus humores. A beleza que faz dele um dos cartões postais do Vale do Itajaí pode dar lugar à fúria de suas águas. O rio que trouxe o desenvolvimento para a região também pode destruir.
As consequências catastróficas que se abateram sobre Blumenau poderiam ser minimizadas, se não evitadas, caso os rios fossem utilizados de modo mais racional e sustentável. É preciso relacionar-se com o rio de outra maneira: não é ele quem precisa se adaptar ao desenvolvimento e às necessidades de nossa comunidade. Nós é que precisamos integrar nosso mundo ao rio e à natureza.
Para Carolina, o Planejamento Urbano é uma forma poderosa de transformação da sociedade, com a redefinição dos espaços públicos, que são os locais nobres para a democracia, para a participação civil, para a convivência e a tolerância. Uma cidade contemporânea deve planejar seu amanhã a partir das suas maiores riquezas e patrimônios, tornando-se especial.
E nossos rios são perfeitos fios condutores deste processo para o futuro. Foi pensando assim que Carolina embarcou para a Alemanha, onde vive desde julho do ano passado como pesquisadora do programa Bundeskanzler Stipendium.
Patrocinado pela chanceler alemã, Angela Merkel, o programa é destinado a jovens líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e Estados Unidos, com o objetivo de construir pontes entre cada um desses países e a Alemanha. É organizado pela Fundação Alexander von Humboldt, uma organização que conta com orçamento anual de 114 milhões de euros e que já patrocinou 54 laureados com Nobel.
A Fundação seleciona perfis de excelência, baseada na performance individual dos candidatos. Radicada hoje em Munique, Carolina conta que a ideia de seu projeto é resgatar a relação entre os rios e as cidades. “Busco compreender a relação entre o natural e o urbano, tendo o espaço público como ponto de contato. Muitas cidades, como Blumenau, se desenvolveram ao longo dos rios. Porém, ao longo do tempo, os rios se tornaram inimigos, o que é desastroso em vários sentidos”, explica.
Ela explica que, tendo em vista que o Brasil é o país mais rico do mundo em biodiversidade e água doce, e em busca de políticas sociais, trabalhar nessa questão é missão imprescindível e inadiável. “Meu objetivo é trazer um novo referencial de desenvolvimento urbano sustentável, baseado na experiência alemã, e contribuir para a qualificação das cidades brasileiras”, destaca.
Como mentora, Carolina convidou a Professora Sophie Wolfrum, que é responsável pela cadeira de Planejamento Urbano e Regional da Universidade Técnica de Munique – a grande referência alemã na área de Arquitetura e Urbanismo.
O desafio é ultrapassar a barreira da teoria e traduzi-la em comportamento humano e ações práticas. Desta forma, Carolina está saindo em campo, entrevistando especialistas, ouvindo as pessoas e vivenciando uma nova relação urbana junto aos rios. Está registrando e escrevendo sobre as soluções alemãs e como estas foram financiadas e implementadas de forma democrática e participativa.
Na volta para o Brasil, o objetivo da arquiteta é trazer diretrizes, adaptadas para a realidade local. Carolina aposta nas novas formas de comunicação participativa, nas mídias sociais e vídeos. Espera que suas publicações e apresentações sejam utilizadas para embasar o poder público na tomada de decisões, e para conscientizar a sociedade civil.
Há também uma motivação pessoal no seu esforço: atualizar a visão da Alemanha em Blumenau. “Preciso mostrar a nação contemporânea, e como o país planeja as suas cidades focado em qualidade de vida para as pessoas”, afirma. Com esse objetivo, tem enviado a cada semana vídeos para a TV Legislativa de Blumenau.
Visitas com um guia especial
Antes de fixar-se em Munique, a arquiteta estudou em Bonn por quase três meses. Aproveitando os longos dias do verão alemão, visitou toda a região de bicicleta. Após às aulas, era possível pedalar ao longo dos rios Reno, Sieg e Ahr, e aprender a relação que as cidades locais mantém com seus cursos d’água.
Entre as cidades de Bonn e Berlim, ocorreu o Seminário Introdutório, de um mês. Carolina e o grupo de pesquisadores do Bundeskanzler Stipendium foram recepcionados em diversas instituições, como o Ministério de Cooperação e Desenvolvimento (BMZ), a Agência de Cooperação Internacional (GIZ), o Parlamento, a Agência de Educação Política (BpB), entre outras.
Em Munique, a agenda tem sido intensa. A pesquisadora tem participado das discussões no Departamento de Água (WWA-M). No Ministério do Meio Ambiente da Baviera, entrevistou o responsável pelo departamento de Água e Solo. E as visitas técnicas ao rio Isar tem sido guiadas pelo melhor guia: Walter Binder.
Hoje aposentado, Binder esteve à frente dos projetos de renaturalização e é referência mundial no assunto. Foi através do material dele que Carolina conheceu, ainda em 2004, o conceito da renaturalização, como forma de proteger cidades das enchentes, recuperar a ecologia e recuperar espaços públicos para o lazer.