Fritz Müller e o Desenvolvimento Regional
1 de abril de 2022

A relevância de Fritz Müller

A Origem das Espécies (Charles Darwin, 1859) é uma das obras mais influentes da humanidade. Curiosamente, a publicação tem uma forte relação com o Brasil. O autor fez uma excursão científica e visitou nosso país, citando diversos animais da nossa fauna. Mas não para por aí: o naturalista Fritz Müller foi pioneiro na defesa da teoria darwiniana, apresentando fatos biológicos coletados no Brasil, sendo citado mais de uma dezena de vezes em edições posteriores do livro*.

Alemão radicado e naturalizado no Brasil, Fritz Müller mantinha correspondências com uma rede de cientistas do século XIX, incluindo Darwin. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Bonn (1868) e Universidade de Tübingen (1874) na Alemanha, e pela Universidade Federal de Santa Catarina (2009) e Universidade Regional de Blumenau (2014) no Brasil.

 

Excursão botânica

Entre abril e junho de 1868, Fritz Müller fez uma longa excursão botânica. Partiu de Blumenau e chegou até o morro da Boa Vista, onde hoje é o município de Rancho Queimado. A pé e descalço, como era seu costume, observou a natureza e escreveu um relato sucinto e preciso do percurso. 

Fritz Müller era exímio observador, tanto que Charles Darwin conferiu a ele o apelido de “Príncipe dos Observadores”. Fazendo jus ao nome, ele observa que a ausência de árvores nos campos da Boa Vista não se dá em decorrência da altitude, já que dali ele podia enxergar morros mais altos totalmente cobertos por árvores. Ele supõe, acertadamente, que aquele solo é uma fina camada de terra sobre o arenito, no qual as árvores não conseguem crescer.

Fritz Müller fornece uma descrição tão precisa que é possível identificar alguns pontos na cartografia atual, mesmo que os caminhos não sejam mais exatamente os mesmos. Ele descreve em termos de distância, inclinação, tempo e esforço necessário para o percurso, bem como a paisagem, a vegetação e o solo dos locais. 

 

Fritz Müller relata a subida íngreme de Taquaras até a Boa Vista, descreve o trecho plano na segunda metade da subida e a vista dos paredões de arenito.

 

Desenvolvimento Regional

Gestor de projetos da Humanität, Walter Weingaertner explica: “Em diversos lugares do mundo, a passagem de um pesquisador de tal relevância científica seria uma informação valiosa para gerar desenvolvimento regional a partir do território. Nós podemos aplicar a metodologia da Humanität para envolver a população local e desenvolver projetos de planejamento urbano e regional. Temos referências e experiências de roteiros culturais e ambientais na Alemanha, Dinamarca e Holanda, cujas características poderiam ser trabalhadas por aqui”.

 

Pode-se propor um Roteiro Cultural e Ambiental, como um vetor de desenvolvimento regional. Na foto, Lauro Bacca e Carolina Nunes percorrem um trecho a pé na localidade de Morro Chato, sobre o mesmo caminho por onde Fritz Müller passou descalço em maio de 1868.

 

As histórias e personagens formam um conjunto autêntico, criam laços de coesão entre as pessoas e o local onde vivem. Em suma, formam um lugar único, em contraponto a lugares sem identidade. 

Existe hoje uma profusão de pontos turísticos preparados para tirar uma foto e ir embora, e que acabam reproduzidos como um carimbo em tantas outras cidades. Isso pode ser entendido como uma manifestação do nosso tempo, mas nunca deveria ter mais prioridade do que histórias verdadeiras e cheias de significados. “A região é rica em paisagens, arquiteturas e belezas naturais. As pessoas vêm visitar e ficam encantadas. Imagina se acrescentarmos mais uma camada, que é a importância desse cientista. Isso tudo tem muito valor”, afirma Weingaertner.

O ecologista e professor Lauro Bacca vem pesquisando os caminhos de Fritz Müller e conheceu a cidade de Rancho Queimado. Ficou entusiasmado ao poder visualizar in loco a descrição dos textos de Fritz. Através dos relatos e dos locais citados, a excursão passou pelo antigo Caminhos dos Tropeiros (Lageaner Straße). Importante via de ligação, tratava-se de uma passagem anterior às estradas atuais, e que ligava Lages ao litoral. Restam hoje alguns trechos desse caminho, marcados pelo pisoteio de inúmeros rebanhos de gado, tal como Fritz descreveu. Ele também escreveu sobre a localidade de Morro Chato, de onde avistou o seu destino final pela primeira vez: a Boa Vista.

 

Os campos da Boa Vista a partir do Morro Chato, de onde Fritz Müller avistou seu destino final pela 1a vez.

 

Referências:

Kalvelage, H. A Vida e a Filosofia do cientista germânico-brasileiro Fritz Müller. In: Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC. Florianópolis, 2006. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/58ra/atividades/TEXTOS/texto_745.html Acesso em 16/03/2022.
* Moraes, A.M.L. Fritz Müller, uma vida dedicada à ciência. Blumenau: Editora da Furb, 2014. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/561408508/Fritz-Muller-Uma-Vida-Dedicada-a-Ciencia-Bilingue Acesso em 16/03/2022.
Müller, F.; Möller, A. Fritz Müller, Werke, Briefe und Leben. Jena: Verlag von Gustav Fischer, 1915-1921. Disponível em: https://www.biodiversitylibrary.org/bibliography/1669 Acesso em 16/03/2022.
Steindel, M.; Weissheimer, M.G.; Marchetti, M. (organizadores) . Fritz Müller 200 anos: legado que ultrapassa fronteiras. Florianópolis: Livro eletrônico, 2020. Disponível em: https://fritzmuller200anos.com.br/ebooks/ Acesso em 16/03/2022.
West, D.A. Fritz Müller, A naturalist in Brazil. Blacksburg: Pocahontas Press, 2003.

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